A importância dos vínculos

“Então eu cuido da criança, me apego à criança e ela à minha família. E depois de um tempo ela vai embora? Nossa, que cruel!!”.

Muitas pessoas, ao entrar em contato com a proposta do acolhimento familiar perguntam se o estabelecimento de vínculos em uma situação transitória não seria prejudicial para a criança e/ou adolescentes em acolhimento. O senso comum dita que apegar-se a alguém que não estará sempre presente gera sofrimento e que isso não seria bom nem para o adulto que cuida nem para a criança ou adolescente acolhido. Entretanto, pesquisas em diversas áreas do desenvolvimento humano vêm mostrando justamente o contrário.

Somos seres de vínculo

O afeto é tão constituidor do desenvolvimento humano quanto uma boa alimentação, sono e hidratação. A falta de afeto, de contato físico e de trocas com pessoas de referência é extremamente prejudicial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, e até mesmo para o bem-estar dos adultos. Mesmo sendo uma medida provisória, é importante que a criança e/ou adolescente fique em um ambiente que lhe permita desenvolver um sentimento de pertencimento, de segurança e de confiança nos adultos.

Não receber atenção e carinho dos cuidadores, viver em um ambiente institucional com alta rotatividade de educadores ou ter suas demandas negligenciadas pode desencadear quadros de desamparo aprendido (quando a pessoa passa a suportar estímulos e situações aversivas porque não consegue evitá-las) e de estresse tóxico. E essas condições podem repercutir no funcionamento cerebral e nas formas da criança e/ou adolescente se relacionarem, inclusive na vida adulta.

E como sabemos disso?

São muitos os estudos científicos que apontam os benefícios para um melhor desenvolvimento social, emocional e cognitivo de crianças e adolescentes que passam pelo acolhimento em família acolhedora, em comparação ao acolhimento institucional. Essas pesquisas compartilham a conclusão de que vínculos afetivos, segurança e estímulos são cruciais na vida de crianças e adolescentes, assim como a possibilidade de convivência comunitária que essa modalidade de atendimento proporciona.

A pesquisa Órfãos da Romênia, realizada pelo Hospital de Crianças de Boston, da Universidade de Harvard, aponta que para cada ano de um bebê acolhido numa instituição, sem vínculos afetivos permanentes ou respeito às suas necessidades individuais, pode haver prejuízo de até quatro meses no seu desenvolvimento integral.

Esta pesquisa revelou que crianças abrigadas em instituições romenas, no período pós-guerra, por tempo prolongado, especialmente durante os primeiros anos de vida, apresentaram déficits cognitivos significativos. Trata-se de um estudo longitudinal, iniciado no ano 2000, com acompanhamento periódico por meio de mapeamento da atividade cerebral por Eletroencefalograma (EEG) de crianças que passaram por diferentes contextos de proteção (institucionalização, acolhimento familiar, convívio em família sem intervenção do Estado). Apesar de realizado em um cenário bastante diferente do que temos no Brasil hoje, esse estudo é base para importantes reflexões acerca da importância dos cuidados individualizados na primeira infância, especialmente no contexto das medidas protetivas de acolhimento.

Teoria do Apego, proposta pelo psicólogo e psiquiatra inglês John Bowlby, foi elaborada a partir de observações e considerações sobre a separação prematura de bebês de seus cuidadores principais. Essa teoria apresenta a importância de haver uma figura de referência para exercer os cuidados com a criança, especialmente nos três primeiros anos de vida. A constância e permanência dessa pessoa (que pode ser pai, mãe, familiar ou qualquer adulto disponível afetivamente a exercer esse papel) tem importantes repercussões no desenvolvimento social e psicológico da criança, uma vez que esse período repercute na maneira como se darão suas relações futuras. A partir dessa leitura, o acolhimento em família acolhedora se configura como um espaço importante de cuidado, uma vez que privilegia a qualidade e a constância das relações com a criança.

Os vínculos afetivos são importantes apenas para os bebês?

primeira infância, período que vai da gestação aos seis anos, é um intervalo de grande importância para o desenvolvimento humano. Isto porque é o período em que forma-se a base de conexões neuronais que permitirão as aquisições psicomotoras, cognitivas e sociais futuras. Em outras palavras, é neste período que se constrói a arquitetura cerebral que seguirá com a criança por todo seu futuro. Portanto, é imprescindível que as crianças pequenas tenham, além de cuidados básicos como higiene e nutrição, também contato físico, carinho, atenção individualizada. Isto permitirá a formação da individualidade da criança, a aquisição da linguagem e a construção das bases de sua relação com a sociedade.

Mas é importante destacar que o acolhimento em família acolhedora também traz benefícios para todas as faixas etárias, visto que crianças mais velhas e adolescentes também se beneficiam significativamente com relações estáveis, afetivas e com o olhar individualizado que o ambiente familiar pode proporcionar. Durante a adolescência, por exemplo, um ambiente estável e seguro favorecerá a passagem pelas transformações e o processo de amadurecimento, em que ocorre a consolidação da identidade e a construção da autonomia do jovem. Isto será valioso no momento de saída do acolhimento aos dezoito anos, quando o adolescente enfrentará novos desafios na construção de sua independência.

Formar e depois romper o vínculo: não é pior para a criança?

Proporcionar vivências de apego, mesmo que de forma provisória, não é apenas desejável, como é uma condição para um bom acolhimento. As crianças e adolescentes que precisam dessa medida protetiva estão em um momento muito delicado de suas vidas. Elas precisam que o acolhimento seja um porto seguro nesse momento turbulento; que seja protetivo, afetivo e estável.

Será por meio da experiência desta relação afetiva que a criança ou adolescente se fortalecerá. Quando apresentada a um modelo diferente de organização familiar, recebida com afeto, respeito e cuidados personalizados, ela ou ele poderá elaborar e superar melhor os efeitos das violências sofridas anteriormente.

Todo o trabalho desenvolvido pela equipe do serviço, na formação das famílias acolhedoras e na preparação e acompanhamento das crianças e adolescentes, concebe o acolhimento como uma medida temporária. Assim, crianças e adultos vivenciarão uma transição apoiados pela equipe técnica. A saída não deve se configurar como uma nova ruptura, pois será feita de maneira gradual, respeitosa, e atenderá ao melhor interesse da criança e adolescente.

É importante ressaltar que no acolhimento institucional as crianças e adolescentes também estabelecem vínculos importantes – com os técnicos, educadores e outros acolhidos – e ao se desligarem do serviço também precisam se despedir e vivenciar uma transição, assim como no acolhimento familiar. Quanto mais seguro for o vínculo estabelecido, maiores as possibilidades de se realizar uma despedida tranquila e a passagem a uma nova etapa de vida.

E a família acolhedora, como fica?

A família acolhedora é conscientizada e preparada para a despedida da criança e/ou do adolescente ao final do acolhimento. O caráter temporário do SFA é um dos principais pontos trabalhados na preparação e seleção das famílias. Mas, por mais que a família acolhedora entre no serviço sabendo que esse será um trabalho provisório, com começo, meio e fim, ela precisará viver a despedida. Pode ser muito difícil se despedir de uma criança ou adolescente do qual se cuidou, protegeu e amou, que fez parte da dinâmica familiar, mesmo que por poucos meses. O apoio dos técnicos e das outras famílias acolhedoras do SFA é fundamental nesse momento.

A criança ou adolescente só deixa a família acolhedora quando estiver forte e segura, de forma que a família acolhedora também vê sentido naquela transição. Muitas famílias dizem que a despedida fica mais suave quando entendem que sua missão foi cumprida, seu papel junto aquela criança foi desempenhado e que as marcas de afeto e cuidado deixadas durante o período serão para a vida toda!

 

Aproveite também para assistir ao vídeo “Os vínculos afetivos no cotidiano por Jesús Palacios”:

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