Por que o Brasil precisa de acolhimento familiar?
O acolhimento familiar é uma medida protetiva que garante o cuidado de crianças e adolescentes que se encontram com seus direitos ameaçados ou violados em seu contexto familiar de origem, . Se por um lado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define o acolhimento familiar como preferencial ao institucional, por outro lado, a cobertura desse serviço da Política Nacional de Assistência Social segue bastante incipiente. Relatório do IPEA indica que os 333 Serviços de Acolhimento em Família Acolhedora (SFA) alcançam pouco mais de 1.392 acolhidos no país. A distribuição regional dos Serviços de Acolhimento em Família Acolhedora também é desigual, com mais de 80% da oferta concentrada nas regiões Sudeste e Sul.
O cenário internacional é uníssono quanto à importância da priorização desta modalidade de acolhimento (saiba mais). Em seu relatório de observações sobre o Brasil, em 2015, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU recomendou especificamente a implementação prioritária de serviços de acolhimento familiar no país. A comunidade acadêmica também aponta as vantagens de modelos de cuidado familiar para o desenvolvimento físico, neurológico, psicológico e de saúde mental de crianças e adolescentes. Importante estudo publicado na revista Lancet, por exemplo, faz um chamado para que os sistemas de proteção de crianças em todo o mundo se baseiem em um continuum de modelos de cuidado que reconheçam e priorizem as funções familiares. Ampliar a oferta desta modalidade de acolhimento mostra-se urgente, especialmente no caso da primeira infância, para quem os potenciais efeitos da institucionalização prolongada e da privação de estímulos e do convívio em ambiente familiar, com vínculos afetivos significativos, podem ser mais graves.
Esse é um movimento que já ocorreu em diversos países, motivado pelas experiências e evidências científicas que demonstram a importância dos vínculos afetivos e da convivência familiar e comunitária para um desenvolvimento integral saudável. A prioridade do acolhimento familiar tornou-se prática em países como a Australia (91%), Reino Unido (80%) e Estados Unidos (75%).
Ao observar o que ocorre em países onde o acolhimento familiar de crianças e adolescentes prevalece, percebe-se que esse movimento não pressupõe a extinção do acolhimento institucional, e sim a priorização do acolhimento familiar, sendo que a modalidade institucional segue cumprindo uma função importante para diversos casos, de acordo com o melhor interesse da criança ou do adolescente.
Para entender mais sobre o cenário de acolhimento familiar no Brasil e no mundo, consulte o Caderno 1 do Guia de Acolhimento Familiar.
Mas afinal, por que acolher em família?
Crianças e adolescentes que sofreram violações de direitos e precisam de acolhimento podem ter diferentes impactos em seu desenvolvimento, seja pelas vivências que culminaram no acolhimento, seja pelo impacto da própria medida. Nesse sentido, a qualidade dos cuidados que recebem nesse período e a possibilidade destes lugares oferecerem um olhar individualizado para cada criança e adolescente pode diminuir ou aprofundar os impactos da violência e negligência sofrida.
A vinculação no espaço familiar propicia maior segurança para que se possa ampliar vínculos e investir em outras relações saudáveis e protetivas, tanto com outras pessoas de referência (professores, psicólogos, médicos, entre outros) como entre pares (amigos da escola, colegas da rua). As experiências de trocas na interação família-comunidade permitem à criança e ao adolescente a construção de referências de como relacionar-se em ambiente social.
- Atendimento personalizado e individualizado, em ambiente familiar, permitindo a organização de uma rotina focada na criança e/ou adolescente e não voltada ao funcionamento da instituição, com rotina coletiva;
- Estabelecimento de vínculos afetivos mais estáveis e próximos com adultos de referência, favorecendo seu desenvolvimento de forma saudável;
- Maior acesso à convivência comunitária e, consequentemente, uma maior possibilidade de vivenciar vínculos com os membros dessa comunidade.
- Menor custo que o acolhimento institucional, pois não há despesas oriundas da oferta ininterrupta do serviço, como tarifas de água, luz, aluguel, manutenção de imóvel, pagamento de pessoal permanente (educadores, cuidadores, auxiliares, serviços gerais), dentre outros custos;
- Maior possibilidade de investimento da equipe técnica na atuação psicossocial, com estudos de caso e articulação da rede de serviços no território, uma vez que há menos demandas de caráter institucional;
- Otimização de custos com recursos humanos e demandas de gestão de pessoas, uma vez que no caso do SFA a equipe profissional é reduzida, por ser mais voltada às funções de coordenação e técnicas e menos àquelas operacionais e de cuidado com as crianças e adolescentes (desempenhadas pelas famílias acolhedoras);
- Diminuição das questões correlatas à manutenção do cotidiano institucional: alimentação, rotina das crianças e adolescentes, entre outros.
Mas afinal, por que acolher em família?
Para que em um futuro breve seja possível oferecer no Brasil contextos mais favoráveis para o desenvolvimento de todas as crianças e adolescentes afastados de suas famílias de origem, é necessário o envolvimento de todas as esferas da sociedade.
Especialmente relevante é o envolvimento de gestores municipais e estaduais, equipes técnicas, juízes, promotores e outros profissionais do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGD/CA). Esses são atores-chave para a conquista do aumento do número de crianças e adolescentes acolhidos em famílias no país. Para saber mais sobre este processo, consulte a seção Etapas de Implementação.
Qualquer cidadão pode mobilizar a sua comunidade para solicitar à prefeitura que realize a implantação dessa modalidade de acolhimento para crianças e adolescentes. Fale com seu vereador, envie mensagens para o site da prefeitura, procure reunir mais pessoas que pensam como você. A participação da sociedade nas políticas públicas é essencial: um direito e um dever de cada cidadão.