A transição do acolhimento (institucional e familiar) para a família adotiva é um período delicado e complexo, que requer dos técnicos do acolhimento e da Vara da Infância e Juventude, um olhar atento para as manifestações da criança e dos pretendentes à sua adoção. Afinal, é preciso mediar um encontro muito esperado para a família e inédito para a criança, um encontro permeado de fortes emoções.
A aproximação é o período no qual os pretendentes conhecem a criança pela primeira vez e começam a visitá-la no acolhimento até que ela se sinta segura para ir de vez para a nova casa. É um período importantíssimo para que todos possam se conhecer e começar o estabelecimento do vínculo.
Não há tempo determinado para o período de aproximação, cada caso é um caso. No entanto, a pressa aqui não é bem vinda e nem necessária, por mais que a família esteja ansiosa para ter seu filho/a em casa, é importante lembrar que uma aproximação bem feita e cuidadosa auxilia bastante o processo de adaptação posterior.
Se em tempos “normais”, a aproximação já requer estratégias e planejamento, essa transição fica ainda mais complexa nesse momento de pandemia. Como realizar uma aproximação cuidadosa e gradual, respeitando a necessidade de isolamento social? Como facilitar a adaptação de todos diante dessa nova realidade de grande mudança na família?
Sabemos da complexidade que a pandemia impôs a todos e principalmente aos serviços de acolhimento institucionais: crianças sem escola, visitas e passeios suspensos, educadores afastados, etc. A pandemia fez com que os técnicos dos serviços precisassem ser ainda mais criativos em suas soluções, usando a tecnologia para promover bons encontros! Nesse cenário, muitas vezes parece impossível fazer uma transição gradual, mas mesmo diante desse contexto, a aproximação pode sim ser um período de muito cuidado e respeito com o tempo da criança e da família.
No intuito de auxiliar tanto os profissionais, como as famílias que vão ou estão vivendo esse processo, escrevemos algumas orientações/reflexões que podem inspirar práticas e novas estratégias para contribuir com um processo o mais tranquilo e gradual possível.
A saída da criança do acolhimento é um momento permeado de sentimentos contraditórios. Ao mesmo tempo em que educadores, técnicos, famílias acolhedoras e outras crianças do abrigo se alegram pela criança que vai embora, todos também sentem tristeza e saudades. E mesmo a própria criança que se despede experimenta diversos sentimentos nessa transição, como alegria, medo, desconfiança, tristeza… por isso é importante cuidar e planejar esse momento!
A criança, por menor que seja, precisará se adaptar a um novo ambiente, a outras figuras de afeto e segurança e a modos diferentes de se relacionar. E mesmo um bebê bem pequeno vai se deparar com um ambiente totalmente diferente na nova família; pessoas, toques, sons, cheiros, objetos, ou seja, tudo muda e o bebê precisará de tempo para se adaptar a essas mudanças. É fundamental que o tempo do bebê, da criança e do adolescente seja respeitado, eles são nosso termômetro e quem guia as ações que tomamos.
O período de aproximação da criança com a família, independente do tempo de duração, é um período valioso para que a família possa conhecer mais sobre seu filho/a, trocar informações com a equipe do serviço de acolhimento, e com a família acolhedora (se for o caso). Quanto mais informações sobre sua história, jeito de ser, hábitos e rotina, melhor para sua adaptação posterior em casa.
Se for possível, a família pode participar dos cuidados de rotina da criança, ver a hora do banho e troca, saber o que gosta de comer e como lhe alimentam, como costuma dormir etc. Claro que isso vai mudar bastante dependendo da idade da criança, mas é interessante que as figuras de segurança da criança no acolhimento (educadores ou família acolhedora) possam transmitir esses saberes sobre a criança para a família.
É sempre bom lembrar que ser mãe e pai não é algo instintivo, a parentalidade se constrói no cotidiano, no cuidado com a criança, ninguém nasce sabendo ser mãe e pai! E isso não é diferente na parentalidade via adoção, independente da idade da criança, a família precisará tornar-se família desse filho/a, conhecê-lo, e aprender a cuidar. Os educadores podem ser grandes aliados nesse período, ajudando os pais e mães a se aproximarem cada vez mais de seu filho/a.
Por menor que seja a criança, ela precisa de adultos que comuniquem, de maneira clara e afetiva, sobre o que acontece com ela. As palavras nomeiam e dão sentido às experiências que vivemos e são importantes para oferecer segurança ao bebê, criança e adolescente que sai do serviço de acolhimento. Portanto, falar com a criança durante todo o processo é fundamental!
- Então se você é família: fale bastante com seu filho/a, conte como é a família que ele vai conhecer, a casa que ele vai morar, se vocês tem algum animal de estimação. Vocês podem mostrar fotos e vídeos da casa, dos quartos e dos familiares. Falar de como estavam ansiosos para conhece-lo, etc.
- Se você é profissional do serviço: abra espaço para a criança conversar sobre seus medos, receios e duvidas, a partir de livros, jogos e brincadeiras, criando um espaço seguro para conversar. Fale com os bebês, antecipe o primeiro encontro com os pais e converse todos os dias durante a aproximação!
Importante que a criança possa se despedir dos educadores, profissionais do serviço, família acolhedora, das outras crianças, de sua escola (quando for o caso) e de outras figuras que foram importantes para ela no período de acolhimento. Se, por conta da pandemia, não for possível se despedir de todos, tanto profissionais como
famílias podem pedir para que essas pessoas enviem vídeos, cartas, áudios e dependendo do caso, até fazer uma chamada de vídeo.
Os objetos da criança também são importantes e fundamentais na transição; brinquedos preferidos, roupas, livros, fotos, naninhas, travesseiros, chupetas, mamadeiras… No caso dos bebês, as roupas, lençóis do berço e travesseiros são carregados de um cheiro conhecido e fundamentais para oferecer continuidade e segurança nesse momento de mudança. Os objetos, além de cheiros e lembranças, carregam a história da criança, por isso é importante que a criança possa levá-los para a nova casa. Fazer uma mala cuidadosa para ou com a criança, indica que o período pré-adoção foi um momento importante, cheio de afetos e cuidados.
Um estratégia interessante é a cada visita na casa da família adotiva, que a criança posso levar um brinquedo ou algumas roupas do abrigo, “recheando” a nova casa com seus objetos. Essa estratégia ajuda a criança a dimensionar a transição, o vai e vem das coisas, e também a ir reconhecendo a nova casa como um espaço que também é seu.
O álbum de histórias de vida é uma ferramenta incrível para facilitar a transição, a partir dele a família vai conhecer mais sobre a história da criança, seu jeitinho, gostos e preferências. O álbum pode ser feito desde o momento de chegada da criança no acolhimento e, dependendo da idade, a criança pode participar ativamente de sua construção. Além disso, o álbum contendo fotos de todas as figuras importantes e de referência para a criança, oferece um sentimento de continuidade de sua história, é como um fio condutor que vai costurando as narrativas da criança, de sua família de origem, do período de acolhimento e agora a nova história que irá construir com sua família.
Rituais de despedida e de chegada: marcar a despedida é fundamental e mostra que no período em que a criança ficou acolhida ela foi amada, protegida e construiu vínculos importantes de afeto. Cada serviço de acolhimento vai encontrar a sua forma de fazer a despedida e marcar a transição, mas é muito importante que haja esse momento, tanto para a criança que vai, como para as crianças que ficam no acolhimento e também para os adultos que cuidaram dessa criança até então!
A família também pode e deve fazer um ritual que marque a chegada da criança em sua casa, algo simbólico que representará a passagem de um lugar para o outro.
Essas são somente algumas estratégias para ajudar nesse período, esperamos que possibilitem encontros permeados de cuidado e afeto! E que garantam uma transição gradual para todos.
Texto original de Instituto Fazendo História (Autoria: Lara Naddeo)