A transitoriedade e os momentos como as chegadas e partidas são características dos serviços de acolhimento. O que acontece quando o adolescente acolhido se aproxima da maioridade? Ele é preparado para a vida adulta durante o acolhimento?
O acolhimento de adolescentes gera diversas questões para a família acolhedora e para a equipe técnica a respeito do processo de construção de autonomia. Essa temática é importante já que em muitos casos o acolhimento é de longa permanência, tanto por eventuais dificuldades no processo de reintegração familiar, como pelas baixas chances de adoção. Portanto, é fundamental realizar o planejamento de saída do SFA do adolescente que completa a maioridade, objetivando seu protagonismo e autonomia.
Adolescentes que crescem em suas famílias geralmente não precisam lidar com o marco temporal da maioridade como uma data limite para a consolidação de uma vida independente. Por outra parte, a entrada no acolhimento faz com que a chegada da maioridade acabe sendo encarada como um grande peso pelo adolescente e em algumas situações pode acabar sendo traduzida como um novo desamparo.
O Levantamento Nacional sobre os Serviços de Acolhimento para crianças e adolescentes em tempos de Covid-19, realizado em 2020, identificou 1.007 jovens que permaneciam no sistema protetivo após completarem a maioridade. Essa significativa permanência indica que é necessário compreender melhor os fatores que contribuem para essa realidade e como o processo de saída por maioridade estão sendo conduzido pelos serviços de acolhimento.
Tendo em vista esse cenário, a equipe técnica do SFA deve trabalhar com a família acolhedora e com o próprio adolescente para refletir de forma conjunta sobre os requisitos e estratégias possíveis para a saída do acolhimento e a inserção autônoma na vida adulta. De acordo com as Orientações Técnicas:
As ações a serem planejadas incluem a devida preparação para o trabalho e/ou para a continuidade dos estudos, mas não se reduzem a elas. Para desenvolver gradativamente a autonomia, ações devem ser pensadas para fortalecer habilidades, aptidões, capacidades e competências das crianças e adolescentes de modo condizente com o processo de desenvolvimento e aquisição de habilidades nas diferentes faixas etárias.
Nesse cenário, a convivência em família acolhedora é um elemento essencial, pois permite que o adolescente vivencie as tarefas, afazeres e responsabilidades do cotidiano da casa e da comunidade que partilha. Além disso, permite que seja corresponsável por esses aspectos do dia a dia, sempre de maneira orientada e acordada com a família acolhedora.
Quais as vantagens do acolhimento familiar na construção da autonomia?
Estar em um ambiente familiar pode conferir ao adolescente acolhido os sentimentos de pertencimento e singularidade. Conviver cotidianamente em uma família, ter seu próprio espaço, discutir os limites e possibilidades de fazer as suas escolhas são elementos fundamentais para a adesão do adolescente ao acolhimento. O SFA permite que o adolescente tenha a experiência de construir sua independência com o apoio e cuidado de adultos responsáveis por sua segurança e bem-estar.
Como preparar o adolescente para a vida adulta?
Equipe técnica, família acolhedora e adolescente devem traçar juntos metas relacionadas à saída do SFA. Essas metas precisam levar em conta os sonhos e aspirações do adolescente, mas devem ser ao mesmo tempo realistas e pensadas de acordo com as condições de vida do adolescente e/ou do jovem adulto.
Assim, é preciso apoiá-lo para que ele compreenda quais são os seus recursos afetivos para morar sozinho e responsabilizar-se por sua casa, quem constitui sua rede de apoio, qual sua relação com o dinheiro e suas competências para geri-lo, se ele identifica possíveis situações de risco e se ele sabe como evitá-las. Isso deve ser um processo gradual, construído cotidianamente. A equipe técnica do SFA deve conduzir esse trabalho junto à família acolhedora, orientando-a quanto às práticas cotidianas e realizando conjuntamente certas ações de promoção de autonomia com o adolescente. Você pode ter acesso a algumas estratégias de como preparar o jovem para a vida independente no Caderno 6 do Guia de Acolhimento Familiar.
Cabe esclarecer que preparar o adolescente para a vida autônoma não é função exclusiva da família acolhedora, pelo contrário, deve envolver toda a rede de proteção. Há, por exemplo, a questão da moradia após o desligamento do serviço de acolhimento. Além de ajudar o jovem a se preparar para a adaptação ao novo formato de moradia, é importante que a equipe do SFA se articule com outros atores da rede para entender quais são as alternativas existentes para apoiá-lo nessa nova etapa.
Um dos pontos principais da chegada da maioridade do adolescente que está em SFA é possibilitar que essa transição não seja um momento de angústia, mas sim de celebração de uma nova etapa da vida, na qual se conquistam direitos e deveres. A maioridade não deve gerar um peso no adolescente, como se o tempo de apoio, afeto e proteção fosse se encerrar do dia para noite.
O adolescente pode permanecer no SFA depois dos 18 anos?
A medida protetiva encerra-se aos 18 anos, quando o adolescente chega legalmente à maioridade. Entretanto, o Art. 2º do ECA, parágrafo único, aponta que é possível estender, ainda que excepcionalmente, a aplicação da lei até os 21 anos de idade. Entende-se que esse artigo poderia ser direcionado também às situações de acolhimento familiar.
É possível estender o período de acolhimento familiar, desde que previsto na lei que regulamenta o SFA. Isso permite que o jovem que completa 18 anos permaneça no Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora, como ocorre na cidade de Cascavel, no Paraná, por exemplo. Isso propicia uma diminuição na tensão relativa à chegada da maioridade, ao mesmo tempo que a família acolhedora e a equipe técnica passam a ter amparo legal para a continuidade do acolhimento e maior tempo para o investimento nas questões de autonomia, estudos, projetos de vida, entre outros.